domingo, 12 de abril de 2009

Grito de Independência

Estado de Minas 12/04/2009


Grito de independência
Rock alternativo vive momento de explosão na cidade. Última edição do BH Indie Music recebeu inscrições de 400 bandas. Músicos apostam no sonho e reivindicam mais espaço
Sérgio Rodrigo Reis

Marcelo Sant'anna/Em/D. A Press

A banda JunkBox começou o processo de mobilização dos grupos de BH e esquentou a cena indie


A vocalista da Junkbox, Malu Aires, cansada de observar a situação complicada do mercado para as novas bandas de rock mineiras, resolveu convocar ano passado os pares, via internet, para uma ampla discussão. Durante três meses, debateram as demandas, os empecilhos da carreira, a falta de visibilidade para os trabalhos e as possíveis alternativas. “Estavam todos isolados dentro dos seus quartinhos de ensaio”, lembra. A solução imediata foi buscar uma agenda num sábado e domingo, na casa de shows Matriz, em BH, para um festival que reuniu 18 bandas numa maratona musical. Para escolher os participantes, abriu um convite na web. Foi quando se surpreendeu. “Levei um susto. Em poucos dias, cerca de 400 grupos se inscreveram para a primeira edição do BH Indie Music.” O evento, realizado no fim do ano passado, surpreendeu os participantes pela repercussão. Situação parecida vem ocorrendo nos programas de TV.

Desde o ano passado, um dos quadros de maior repercussão do programa Caldeirão do Huck, exibido sábado pela Rede Globo, é justamente o que abre espaços para as chamadas “bandas de garagem”. Gente de todo país tem buscado uma chance na atração. Nos últimos dias, o Domingão do Faustão resolveu promover uma versão do quadro em seu programa na emissora carioca. Em apenas 20 dias de inscrição na internet, a produção recebeu em torno de 8 mil vídeos de bandas e artistas de todo o país. Esperavam chegar, no máximo, a 3 mil concorrentes, o que comprova a existência de uma carência por espaço e uma produção efervescente do rock alternativo no Brasil. “Como sempre, tem muita coisa boa e ruim. Depende muito da filtragem”, sugere Claudão Pilha, sócio e produtor do bar A Obra, espaço que abriga a cena independente na capital.

O que move esses artistas é o desejo de levar adiante uma proposta musical e ter o trabalho reconhecido. “Todo roqueiro quando ouve Iron Maiden pela primeira vez tem vontade de ser um astro do rock, cantar para multidões”, confessa o vocalista e baterista da banda Carolina Diz, Humberto Teixeira. Só um seleto grupo consegue chegar lá. Com oito anos de atividade, a banda enfrentou todo tipo de adversidade. “Já tivemos inúmeras reuniões pensando em acabar, porque é pesado, são vários gastos e pouco reconhecimento. Mas há dias em que acordamos e pensamos no público que encontramos em nossos shows e voltamos a ter esperança. A situação se complica quando voltamos a ver as contas e percebemos que, por enquanto, é somente hobby mesmo.” O que os motiva ainda é a esperança na cena emergente.

Sentimento parecido tem o ex-integrante do grupo Virna Lisi, o guitarrista Ronaldo Gino. A banda de rock, fundada no início dos anos 1990, literalmente, na garagem dos pais, conseguiu se destacar no cenário com uma proposta autoral, atraindo a atenção do público e de parte da crítica. O projeto chegou ao fim em 1997. “Acabou pelas dificuldades de não conseguirmos encaixar nossa proposta no mercado. Os filhos começaram a nascer e complicou”, lembra o guitarrista, que atua profissionalmente como produtor musical.

O desejo de realizar um projeto semelhante falou mais alto há um ano, quando se juntou a Luís Lopes (também ex-Virna Lisi) e, ao lado do baixista Henrique Belumat e do vocalista Daniel de Jesus, fundaram o Bluesatã. O rock atual usa referências do punk, pós-punk e música eletrônica, e a proposta é mais pé no chão. “Não fazemos música para o mercado, vejo o sucesso como provável consequência do trabalho”, diz ele, que também aposta na internet como aliada na nova fase. Ronaldo Gino acaba de fundar a gravadora virtual Serrassônica para vender música na web. Na internet, ao preço de R$ 1,99 o usuário poderá baixar canções do Bluesatã. “A proposta é vender e distribuir outros artistas na internet. O futuro é esse, ouvem-se trechos da canção e, se interessar, é possível comprá-la integralmente. Nosso selo funcionará como um escritório para cuidar do artista.”

A situação é bem diferente da época em que o mercado fonográfico era dominado pelas grandes gravadoras, com amplas verbas de promoção para trabalhar seus músicos nos meios de comunicação. Com a falência do modelo devido à pirataria, a internet surgiu como alternativa não só para as antigas gravadoras como para os independentes. No mercado atual, cada um, com um pouco de habilidade para lidar com a tecnologia, pode não só gravar um disco, como divulgá-lo. Ao contrário do cenário de concentração anterior, os artistas atuais passaram a ser donos dos meios de difusão da própria obra.

Hobby e profissão As alternativas aparecem também nos festivais e nas casas que abrem espaços às bandas de garagem. Com o sucesso da primeira edição do Indie Music, Malu Aires decidiu tornar o evento anual, sempre em setembro, com shows das principais bandas da cena emergente em vários espaços de BH. Optou também por estender a seleção de bandas em eventos realizados mensalmente, no Matriz. Tem dado certo. “Há muita gente faminta por começar, até sem saber o que aguarda por eles. Só nas proximidades da capital existem uns 40 grupos de rock produtivos, com canções próprias, shows redondos, mas fadadas a se tornarem bandas de hobby, de fim de semana, muito por falta de espaço”, avalia Malu. De quinta-feira a domingo, o Matriz abre espaço para a cena alternativa. No bar A Obra, o encontro é realizado, em geral, no projeto Quarta sem lei. Nestes encontros, em comum, os músicos têm um trabalho autoral voltado para o rock. “A guitarra grita sempre. É um rock alternativo, em construção, que mistura tudo, de funk a samba, de jazz a instrumental psicodélico, de música erudita a poesia falada”, explica Malu.

No Matriz, que há nove anos abriga a cena alternativa, os últimos tempos têm sido agitados. “Agora estamos vivendo uma efervescência. As bandas de rock estão se organizando em coletivos, buscando espaço, apresentando projetos para casas de shows, nos mais diversos estilos, inclusive em outros estados. Tem muita coisa boa surgindo”, aponta Edmundo Corrêa, um dos sócios da casa.

A manutenção da curva ascendente da produção do rock esbarra com a inconstância dos projetos. “As bandas mineiras duram pouco, cerca de seis meses. Não dá nem para amadurecer o trabalho. Enquanto ainda faço shows de grupos paulistas e cariocas que estiveram no início do Matriz, nenhum local sobreviveu esses anos todos”, lamenta Edmundo. A sobrevida do rock local, até então, esbarra na falta de espaços e na dificuldade em se atingir um público mais amplo. Com organização, mobilização e criação mais contundente, os roqueiros mineiros esperam, finalmente, conseguir reverter esse quadro. É por isso que as guitarras gritam.


Terno e piercing

A repercussão da cena alternativa provocou uma mudança de postura não só dos artistas como do público. Quando abriu, há 12 anos, o bar A Obra era visto como um local estranho. “Por outro lado, era extremamente bem frequentado pela cena underground. Pessoas supercríticas da cultura alternativa vinham aqui”, lembra Claudão Pilha. Hoje, a impressão é outra. A longevidade do espaço e a manutenção de uma programação própria conquistaram o público. “Uma penca de gente que não vinha apareceu. Aqui é um local diferente, com música boa e bacana, lugar plural para descobrir novos sons”, descreve. O público é espelho disso. “Não é difícil encontrar um cara de terno, outro de bermuda, ao lado de uma menina cheia de piercing. Somos um espaço de inclusão total”.

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