segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Articuladora da cena indie- Jornal O Tempo

Malu Aires. Cantora, compositora, instrumentista e produtora, organizadora do festival BH Indie Music

Articuladora da cena indie

Jornal O Tempo - por Daniel Barbosa

Malu Aires deu voz às músicas que Marcus Vianna fez para a novela Global "O Clone", mas essa nunca foi sua praia. À frente de sua banda de indie rock, a Junkbox, ela vem batalhando para consolidar a cena musical independente, aglutinando bandas que até então mal tinham onde tocar. O BH Indie Music, festival que teve duas edições este ano, é um dos frutos desse esforço.


A quanto tempo você milita na cena independente em Belo Horizonte?

Olha, são dez anos com a Junkbox, que já surgiu com a proposta de trabalhar de forma avessa à que o mercado que existe propõe.

O que você fazia antes de criar a Junkbox?

Eu estava fazendo um trabalho solo, como intérprete, cantando na noite, mas não estava mais afim disso. Surgiu a proposta de montar um duo, que batizei Junkbox e que foi o embrião da banda. Mas antes mesmo de vir para Belo Horizonte, eu estava trabalhando com teatro em São Paulo. Cheguei aqui em 96 com a proposta de trabalhar numa produtora de eventos, mas foi uma coisa que não durou nem dois meses, porque é um negócio em que você não tem salário fixo. Voltei para São Paulo, mas só para pegar meu violão e retornar em definitivo para Belo Horizonte, pensando em dar início à carreira na música.

Mas você se envolveu com outros trabalhos de produção depois disso, certo?

Depois daquela fase que trabalhei com o Marcus Vianna, cantando as músicas que entraram na trilha sonora da novela "O Clone", resolvi investir na Junkbox e elaborei um projeto para gravação de CD que apresentei para a lei de incentivo. Ele foi aprovado e isso me reaproximou do trabalho de produção. Foi uma experiência bacana porque com o dinheiro que consegui captar, que não foi muito, a gente fez milagre. Outros artistas começaram a me procurar com essa demanda, de elaborar projetos para a Lei. O fato é que a música não me rendeu mais nada depois do "Clone", então parti para lidar com produção artística. Em 2004 comecei a trabalhar com a Companhia de Ópera Bufa, com alguns concertistas, como a Sílvia Klein e o Wagner Sander, e também com dança contemporânea. Em seguida fui convidada pelo Teatro Marília para cuidar da produção do projeto Improvisões.

Pelo que você pode observar com seu trabalho como artista e produtora, o que mudou na cena independente mineira ao longo dos últimos dez anos?

Posso parecer um pouco prepotente, mas acho que mudança mesmo foram de quatro meses para cá, com a realização do BH Indie Music. A cena existia, mas não era vista como algo profissional ou como um trabalho que pudesse ser rentável para os artistas ou para os contratantes. A gente via muitas bandas bacanas surgindo e tentando propostas mais ousadas em São Paulo, em Goiânia e até em Uberlândia, mas em Belo Horizonte nada acontecia. Agora a gente está trabalhando em conjunto com esses artistas e os grupos todos que conseguimos aglutinar para o BH Indie Music. Com isso, eles têm hoje palco para mostrar seu trabalho e têm público que aplaude e canta junto. Trabalhamos muito, mas acho que a gente ainda não conseguiu nem 10% do que é necessário para fazer a cena se firmar. De qualquer forma, o BH Indie Music tem funcionado como um filtro que mostra o tamanho e a diversidade da cena.

O que te motivou a criar o BH Indie Music?

Venho trabalhando com produção artística há tanto tempo para os outros que, de repente, pensei em fazer algo que desse algum retorno também para mim mesma, como artista. Me senti com tempo e capacidade para organizar o BH Indie Music e parti para a ação. Com isso, colaboro não apenas para garantir espaço para as bandas independentes em geral, mas, de um modo particular, para o meu próprio trabalho autoral. Claro que isso é algo que se expande. A segunda edição do BH Indie Music trouxe bandas de vários outros Estados do país, todas com a mesma queixa: a falta de espaços para se apresentar.

No total, considerando a primeira e a segunda edição do BH Indie Music, o que você conseguiu movimentar em termos de público, bandas e espaços para shows?

Na primeira edição promovemos 18 shows em dois dias, com bandas mineiras, todas alocadas no Matriz, que é um reduto tradicional da cena. Na segunda edição, com o portfólio da primeira em mãos para apresentar para outras casas noturnas, a gente conseguiu abrir espaços bacanas, em lugares como A Obra, onde tivemos 12 shows. Também conseguimos espaço na Minueto, abrimos o Estúdio B Music Bar e também o Studio Nafta, inaugurado há um mês. Foram pacerias que deram muito certo e que abrem a possibilidade de diálogo com outras casas de shows. Na primeira edição do BH Indie Music, chamamos o público para conhecer algumas bandas que se apresentariam num único espaço. Na segunda, fizemos o movimento contrário, levando as bandas para tocar para o público habitual de cada um dos espaços que ocupamos.

Qual a avaliação que você faz do que foi realizado até agora com o projeto?

As duas edições foram bem grudadas uma na outra, com apenas três meses de diferença, mas o resultado da primeira foi tão bacana que, logo quando acabou, mais de 110 bandas me procuraram propondo dar continuidade a essa história. Simplesmente não tive como não fazer a segunda edição. Agora dá para pensar numa próxima para 2009, algo grande, em setembro, possivelmente. Acho que o BH Indie Music pode, inclusive, servir de exemplo para outras cidades, para os lugares de onde algumas bandas que participaram vêm. Não é difícil, basta organização, responsabilidade e capacidade de articulação entre as partes envolvidas. O BH Indie Music dá um gás, uma energia e uma oxigenada para uma profissionalização mais rápida.


Essa cena ainda está muito longe de se tornar auto-sustentável?

O que posso dizer é que, por enquanto, 100% da pessoas que estiveram envolvidas com o BH Indie Music têm pelo menos mais uma atividade além da música. Ainda não existe dinheiro circulando no cenário da música independente em Belo Horizonte. Tem mais discos sendo produzidos, mas ainda é preciso ver como dar vazão a esse material no mercado, para ver se rola algum retorno. Mas pelo menos uma conquista já obtivemos: essas bandas já conseguem lugar para tocar na cidade. Conseguir se apresentar uma vez por semana com trabalho autoral já faz muita diferença.

E com relação à Junkbox, quais são os projetos atuais para o grupo? Já existe a intenção de gravar um próximo álbum?

Estou querendo entrar logo em estúdio para fazer um segundo disco, é uma coisa que está berrando em mim há anos, mas a realidade é que, por mais que eu esteja me aventurando pela produção artística, isso não paga os períodos de estúdio e a produção necessária para lançar um novo CD. Passar pelo vestibularzinho das leis de incentivo também é muito complicado. Eu, particularmente, já desisti, cansei de gastar dinheiro com projeto que não é aprovado. Estou tentando abrir esse mercado independente, para ver se dessa maneira dá para juntar uma grana e reverter isso em condições de a Junkbox lançar um segundo trabalho. O bom é que, com essa história, eu acabo cavando espaços e condições de a gente continuar se apresentando, o que é uma forma de se manter em atividade, pensando que dias melhores virão.



Publicado em: 26/10/2008

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